De faxineiro a jornalista: você pode!

sobre fundo degradê do verde escuro ao claro, o título Vozes Inclusivas em branco e foto de Evando à direita

Faço parte de um número reduzido de pessoas pretas que conquistou uma formação universitária e ocupei cargos de confiança no mercado de trabalho. Tudo isso, iniciando minha trajetória profissional como faxineiro.

No início, mal sabia distinguir uma vassoura de um rodo, só que dentro de mim havia uma determinação gigante. Eu queria ser jornalista. Tinha consciência de que para isso seria necessário investir o pouco que ganhava como faxineiro nos estudos. Tudo para realizar o que tanto almejava.

Será que deveria ter feito anotações sobre minhas conquistas? Meus sonhos? Meu mundo? São lembranças tão ricas! As recordações me trazem sensações indescritíveis e que jamais me abandonarão.

As condições financeiras em que nasci não favoreciam o filho negro, de uma família pobre da zona leste de São Paulo e estudante de escola pública a concretizar seus desejos. Contudo, essa realidade não foi um empecilho. Hoje posso afirmar com propriedade que valeu a pena cada sacrifício. Me considero um privilegiado.

Ao longo dos meus dezenove anos de carreira, muitos dos objetivos foram alcançados, mas ainda sei que posso e consigo ir muito mais além de onde estou.

Ser negro em uma sociedade onde o racismo histórico e estruturante permeia em todos os lugares, os obstáculos que a população preta e parda enfrenta para chegar a posições de destaque são muito grandes. Comigo não foi diferente. Quando surgiu a oportunidade de trabalhar como faxineiro na Record TV, entrei de cabeça. Vi ali uma chance de começar a construir uma história de sucesso. Mas logo de cara, recebi o seguinte feedback de um dos colegas de trabalho: “impossível conseguir uma promoção em menos de 5 anos por aqui. Sendo negro então, pior ainda”. No primeiro momento, fiquei chocado com a notícia negativa, mas a determinação que havia dentro de mim não poderia ser abalada. Com isso, comecei a aprimorar meus conhecimentos por meio dos estudos.

Trabalhava durante a madrugada e estudava no período da manhã. Como saia às 6h da empresa e a faculdade só abria a partir das 7h, perdi a conta de quantas manhãs fui obrigado a ficar sentado no banquinho laranja da estação rodoviária Barra Funda cochilando e aguardando o horário de abertura da universidade, correndo sérios riscos de sofrer algum tipo de violência, por estar ali, exposto e fragilizado pelo cansaço físico e mental.

Durante as noites em que trabalhava e em momentos que as brechas surgiam, tentava vencer a timidez para interagir com a redação de jornalismo. Afinal, era ali que almejava ficar, e, como diz o ditado: “quem não é visto, jamais será lembrado”, ou seja, não bastava somente usar todo o salário para pagar a faculdade, sem que soubessem da minha existência.

Esse fator foi primordial para minha carreira começar a mudar. Um ano e oito meses após entrar na empresa, consegui quebrar a barreira dos “5 anos” que predominava naquele departamento e alcancei minha primeira oportunidade em uma redação, o primeiro de muitos sonhos que viriam pela frente. De uma forma natural, o processo motivou outros profissionais que trabalhavam diretamente comigo e que não tinham perspectiva de crescimento. E também serviu de estímulo para alunos que estavam ao meu lado todos os dias de não desistirem dos seus objetivos. Quase 20 anos se passaram e até hoje meu nome é lembrado na universidade: um estudante preto e de família humilde, que conseguiu superar as dificuldades. Em muitos momentos, sou chamado para compartilhar um pouco da minha trajetória com os novos alunos.

Como nada nessa vida é fácil, continuo matando um leão a cada dia. Chegar à posição de editor chefe na Record News, por exemplo, não foi algo que ocorreu da noite para o dia. Diferente de outros colegas de trabalho, tive que me dedicar infinitamente mais para conquistar a confiança do gestor da época, ser um trabalhador “faz tudo”, em muitos casos me doar mais e mais para ser reconhecido. Demorou para alcançar esse posto? Sim, muito, mas creio que a lição que tirei disso tudo é que preciso persistir sempre, mesmo ciente de que muitos irão me ignorar, outros vão julgar a cor da minha pele como se isso fosse justificativa de não ser capamaz. Mas nada disso afetaria minha segurança. Para quem comanda o mercado coorporativo, uma dica: se atualizem mais, aprendam a desenvolver a inclusão de pessoas pretas de forma justa, sem diferenças.

Tenho amigos que dizem que vieram ao mundo a passeio. Sou daqueles que acredita que cada um tem um propósito para vida, uma missão. Vim para fazer alguma coisa para um mundo melhor. Não é só plantar uma árvore, ter um filho e deixá-lo mais educado e preparado. Lutar pela diversidade é uma das minhas causas. Acho que é preciso, necessário. Tenho que lutar com todas as forças por essa causa.

Apesar de saber que existem mais casos de pessoas pretas que conseguiram êxito nos mais diversos nichos e são exemplos de superação, a mudança segue a passos largos. No entanto, essa alteração gera, muitas vezes, polêmica e falta de aceitação. Isso porque a pessoa negra bem-sucedida incomoda muita gente.

Mais do que compartilhar minha história, espero que ela inspire aqueles que buscam realizar os sonhos, que precisam enfrentar de cabeça erguida o preconceito que existe na sociedade e, principalmente, enfatizar a importância de estar atento às oportunidades e agarrá-las. Foi assim que me desenvolvi como profissional. Portanto, não desista, acredite no seu potencial. Você pode chegar aonde quiser.

Evando Augusto é jornalista com 19 anos de atividade em multinacionais do mercado de comunicação. Já foi editor chefe no jornal Hora News, Record News TV e também chefe de reportagem dos jornais Fala Brasil e Balanço Geral, na Record TV e editor do Brasil Urgente, na Rede Bandeirantes de Comunicação. Atualmente, ocupa o cargo de analista de comunicação sênior na empresa In Press Porter Novelli.