Precisamos incluir os corpos gordos na sociedade

retângulo roxo com título Vozes Inclusivas em branco e foto de Marília à direita

Sim, nós existimos. E não, não somos doentes. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, obesidade é considerada doença. O que não se discute é que a obesidade é uma doença multifatorial, ou seja, quando o excesso de peso é associado a complicações e/ou doenças crônicas. Portanto, ser gordo não é doença. O discurso médico-científico alimenta a gordofobia, excluindo esses corpos do direito de existirem e se manterem assim, pois parte do pressuposto que o corpo gordo é doente.

Isso ajuda a alimentar a ideia de que é errado ser gordo. Junte isso com os padrões irreais de magreza impostos e temos como resultado da equação a discriminação, a exclusão social e a falta de representatividade das pessoas gordas.

O padrão estético imposto pertence a um número muito pequeno de pessoas, tornando a esmagadora maioria das mulheres insatisfeitas desde crianças, buscando o encaixe nesse padrão irreal de beleza. Isso cria uma cultura de ódio ao corpo, de eterna corrida em busca da perfeição. Crescemos acreditando que nosso valor só pode estar associado a um tipo de corpo, que é o corpo magro, independente se esse corpo magro for cheio de doenças. É preciso lembrar, apesar de parecer óbvio, que magreza não é sinal de saúde.

Um discurso do tipo: “Eu me preocupo com sua saúde” é apenas preconceito mascarado de preocupação. Muitas vezes já senti vontade de oferecer meus exames com taxas totalmente normais para essas pessoas. E mesmo quando os médicos recebem esses exames, terminam a consulta com “Mas você precisa emagrecer”. Gordofobia médica é algo real e pode ser avassalador. Tive pesadelos horríveis com meu médico que, durante mais de dez anos, me receitou remédios, dietas e cirurgia bariátrica, apesar dos meus exames estarem completamente normais. Cresci achando que não eu era saudável, não era bonita e que não era aceitável ser como era. Carrego isso comigo até hoje, com a baixa autoestima sendo minha companhia.

A representatividade na mídia tem papel fundamental para que haja aceitação do corpo pelas mulheres gordas. Se desde pequenas pudéssemos ver mulheres gordas nas revistas, nas novelas e filmes, pensaríamos e nos sentiríamos diferente? Acredito que sim. Teríamos a normalização de corpos diversos. Por isso a representatividade importa, e muito. É preciso naturalizar o corpo gordo. Só a partir de uma grande exposição desses corpos é que a sociedade vai aceitar e acostumar-se com outros padrões. Independente se a pessoa gorda está doente ou não, isso não exclui seu direito de existir na sociedade. Excluir pessoas doentes da sociedade me parece algum tipo de política higienista muito perversa.

Algo já está sendo feito. Muitas marcas de cosméticos começaram a incluir em suas propagandas tipos de corpos diferentes, marcas de roupas plus size surgiram, marcas já existentes começaram a aumentar os tamanhos, novelas e filmes possuem atrizes e atores gordos (muitas vezes cheios de estereótipos, se me permitem ainda mais problematizar o assunto), diversas mulheres são influenciadoras do movimento da liberdade e aceitação corporal nas redes sociais. Mas diria que os passos são ainda tímidos, como se a existência de mulheres gordas na mídia fizesse parte da “cota gorda”, onde as empresas são atraídas pelo marketing “desconstruído” que tal representatividade pode gerar.

Por último, relembro que a liberdade corporal não é romantização da obesidade. O problema não é o corpo gordo, mas sim o sistema opressor que os exclui, não permitindo que estes existam, simplesmente. Precisamos ter a liberdade de existir e resistir. E o mais importante para que a gente consiga sair dessa armadilha toda é ter a consciência de que estarmos insatisfeitas com nosso corpo mantém o sistema capitalista funcionando.

Marília Miyazawa é atriz e arte educadora, apaixonada por processos coletivos e colaborativos. Trabalha com teatro, processos circulares restaurativos e comunicação não-violenta.