Mudança de Olhares

sobre fundo degradê verde, o título Vozes Inclusivas em branco e foto de Isa à direita

Eu sou uma mulher, negra e nasci com deficiência visual. Trabalho em movimento de formiguinha para tentar mudar o mundo. Pode parecer maluquice, mas, como diria Chorão, “o impossível é só questão de opinião”.

Produzo conteúdo nas redes sociais e tento oferecer caminhos para um futuro mais inclusivo, mostrando ferramentas de acessibilidade, propondo reflexões sobre tabus que precisam ser quebrados e compartilhando conhecimentos que nem sempre aprendemos na escola. Entendo que combater preconceitos, eliminar discriminações e garantir acessos são pautas urgentes e, para isso, trabalho para que mudanças aconteçam.

Uma vez eu ouvi a seguinte frase: “A mudança tem que começar pelo seu quintal”.

Fiquei intrigada pois já faz muito tempo que me considero ativista. Pegando emprestado o que traz o dicionário, ativismo significa a luta ativa por uma causa. Aquilo de cobrar soluções, reivindicar direitos, não se calar diante de injustiças, ter um ideal.

Cobrar, pedir, ensinar, orientar, resolver, explicar, educar, compartilhar. Às vezes, quem está nessa posição se doa tanto que esquece de voltar um pouco para si e revisar o que precisa ser alinhado internamente. A gente fortalece demais o outro e esquece de nós mesmos(as).

Acredite ou não, fui aprender que essa doação excessiva se dá de maneira muito forte por mulheres negras. Historicamente, fomos sendo moldadas para sempre servir e estarmos disponíveis né, seja para cuidar da casa dos outros, dos filhos que não são os nossos, do nosso próprio lar, da nossa família, dos companheiros, dos amigos. Não é à toa a figura da mãe preta, da empregada doméstica que é “quase da família”, da mulher negra que só tem protagonismo como melhor amiga.

Paralelamente, é válido abordar a questão das pessoas com deficiência que, não raras as vezes, fazem um esforço enorme para serem reconhecidas, pois o lugar em que foram colocadas ao longo da história é o lugar da incapacidade, do silenciamento, da infantilidade. Ainda hoje quando fazem algo comum, isso é aplaudido como se fosse uma conquista gigantesca pois não é o que consideram normal. Ocupar espaços ainda é novidade.

A gente provoca muitas mudanças no que tá fora e, quando esquece de olhar para dentro, abre brecha para a sensação de impotência para a síndrome da impostora (a voz que diz que você não consegue, que não fez o suficiente, que não merece o que já conquistou).

Acho que é porque não estamos acostumadas a parar, a olhar com carinho para o nosso trabalho, a reconhecer nosso esforço. A cada dia, o tempo fica cada vez mais rápido, mais exigente, mais fragmentado.

A mudança precisa começar pelo nosso quintal, mas para isso, a gente precisa de um tempo para organizar as ideias, descansar a mente, cuidar do corpo físico para aí sim poder se voltar pro outro.

Isadora Rodrigues Nascimento Santos é advogada, produtora de conteúdo, palestrante e consultora em audiodescrição. Autora do perfil @olharcotidiano_, coordenadora da diretoria de acessibilidade do Programa de Ensino, Pesquisa e Extensão sobre Violência de Gênero da UFMG e integrante do movimento “Vidas Negras com Deficiência Importam”.