Descrição de imagens em sites e redes sociais: um exercício básico de empatia
Eu ando pelas ruas utilizando uma bengala. Como extensão do meu tato, ela me permite sentir o chão a minha frente, identificando obstáculos, degraus, rampas e buracos. Com a audição bem atenta, percebo a movimentação das pessoas, a entrada das lojas, os carros nas ruas. O vento sopra diferente a cada esquina. Se a travessia for tranquila, com cuidado e atenção, facilmente chego ao outro lado. Quando o fluxo de carros é intenso, aguardo até que uma buzina soe me dando passagem ou um braço amigo surja para me acompanhar até a outra calçada.
A falta da visão não me impede de andar por aí. Com bastante prática, habilidades sensoriais e muita resiliência, andar pelas ruas tem sido o meu esporte diário. Mas devo reconhecer que é um esporte bastante arriscado. Nunca sabemos com o que podemos nos deparar nesse caminho. Um chão quebrado, uma obra sem sinalização, escadas, galhos e orelhões atravessando a calçada. Muita coisa nossa bengala não identifica a ponto de evitar um acidente. O medo e a insegurança de caminhar pelas ruas acaba privando muita gente de sair de casa. Privando muita gente do simples direito de ir e vir.
Por outro lado, eu navego pela internet utilizando um software de leitura de tela. Por meio de comandos no teclado consigo acessar sites, blogs, redes sociais, ler livros, assistir a vídeos e até mesmo redigir um texto como este que você está lendo. Meus dedos percorrem o teclado acionando diversos comandos que se convertem em informações sonoras no meu fone de ouvido. Consigo me localizar em determinado site, encontrar o título de uma notícia, saltar para um campo de comentário, encontrar um botão de like, entre tantas outras funções comuns na internet.
A falta da visão não me impede de navegar por aí. Com muita agilidade, prática e conhecimento dos comandos do meu software, utilizo a internet como principal fonte de conhecimento, diversão e interação com as mais diversas pessoas. Diferentemente de andar pelas ruas, aqui eu não corro o risco de sofrer acidentes, cair em um buraco ou dar com a testa num poste. Mas quem falou que os problemas no mundo digital também não existem?
As páginas web quando mal estruturadas são como uma calçada sem piso-tátil, toda quebrada e cheia de buracos. Facilmente me perco, travo em um local ou simplesmente desisto de seguir por aquele caminho. Assim são os conteúdos que visivelmente aparecem na tela de um computador, mas que, por mais comandos que eu utilize, não oferecem nenhuma informação aos meus ouvidos.
Agora pensemos essa situação nas redes sociais, onde a comunicação está cada vez mais focada na experiência visual. Fotos, vídeos, figurinhas, stories, boomerangs… Como um cego fica no meio disso tudo? Mais perdido que em tiroteio, com certeza! Por mais tecnologia que exista atualmente, inteligência artificial e reconhecimento de imagens, ainda não é possível aos leitores de tela nos passarem exatamente quais informações existem nesses conteúdos.
E é aí que entra a empatia, o dever nosso de cada dia de pensar no próximo. Tal como na cidade cada cidadão é responsável pela calçada de sua residência, na internet cada usuário é responsável pela acessibilidade em seu conteúdo. Pessoas cegas passam pela rua da sua casa, bem como pessoas cegas passam pelo seu conteúdo na timeline. A diferença é que você não precisa fazer uma obra, contratar um pedreiro e reformar sua calçada. Basta tirar 5 minutos para descrever seu conteúdo sempre que publicar algo estritamente visual.
Olhe para a foto que você acabou de publicar e me responda: O que você vê? Esse objeto ou pessoa, como ele é? Em qual lugar ele está? Pronto, respondendo a estas poucas perguntas, você é capaz de realizar uma descrição minimamente compreensível às pessoas com deficiência visual. Daí pra frente é com você, descreva do seu jeito, com o seu olhar, seja criativo e fiel ao que você está enxergando nessa imagem.
Então fica o meu convite. Vamos fazer a acessibilidade nossa de cada dia!
Gabriel Aquino é Pedagogo, Consultor em acessibilidade, atuante em diversas áreas da deficiência visual. Ficou cego aos 16 anos e descobriu na cegueira sua maior alegria. Na página @umdiadecego mostra seu olhar peculiar sobre o mundo.