Muito mais do que uma cadeira
Nunca entendi muito bem a necessidade que as pessoas têm de “colocar o PCD sentado”.
Perdi a conta de quantas vezes, chegando a uma festa ou a uma reunião qualquer, me deparei com alguém de pronto me apontando uma cadeira para eu me sentar, pouco importando se a tal cadeira ficasse no fundo de uma sala em algum canto isolada. Em grande parte das vezes, esse gesto vinha acompanhado de alguma frase do tipo: “essa cadeira foi reservada especialmente para você”.
Não sei se por trazer um alívio às suas próprias consciências ou se por simplesmente entenderem que essa seria a coisa certa a se fazer. A verdade é que o motivo de agirem assim sempre fugiu ao meu entendimento.
Ainda trago na lembrança o dia em que minha esposa e eu fomos convidados à festa de batizado da filha de um amigo. Ao chegar, logo percebemos que o local estava excessivamente cheio, com uma grande quantidade de pessoas em pé, já que a quantidade de lugares era nitidamente inferior ao número de convidados.
Assim que entramos, um de nossos amigos, correndo esbaforido ao nosso encontro, me apontou uma cadeira que ele mesmo havia reservado para mim lá bem no fundo do salão. “Reservei especialmente para você”, me disse todo orgulhoso. “Pedi ao pessoal da mesa se eles podiam deixar você se sentar com eles, já que você tinha um problema de locomoção, usa muletas… e eles foram muito receptivos”.
O leitor que por ventura chegou até este ponto de meu texto, consegue imaginar o sentimento de estupefação que me acolheu, tentando acreditar no que estava ouvindo? Sim, acredite ou não, caro leitor, minha esposa ficaria reunida com nossos amigos em pé, já que não havia mais lugares disponíveis e eu permaneceria sentado confortavelmente a uns cinquenta passos de distância deles, rodeado por pessoas que eu não conhecia; provavelmente muito simpáticas, já que me acolheram de tão bom grado, mas que eu simplesmente não fazia a menor ideia de quem eram.
Infelizmente, não há muito espaço nesse pequeno texto para eu falar sobre o constrangimento que acabei gerando ao não concordar em deixar minha esposa em um local para me sentar sozinho em outro com pessoas que eu não conhecia.
Depois de muito argumentar, dizendo que eu podia muito bem permanecer de pé junto com todo mundo, incluindo minha esposa, um garçom me apareceu dizendo ter encontrado uma pequena mesa isolada para duas pessoas, tendo por único porém estar um tanto quanto longe do local em que estávamos.
Depois de argumentarmos mais um pouco entre sentar ou não sentar, acabamos por concordar. Minha esposa e eu sentamos sozinhos, eu e ela, na mesa sugerida.
Pensando hoje, aos 64 anos de idade, situações como essa foram muito frequentes em minha vida: em festas de escola, nos cinemas, reuniões familiares, nos bares etc.
Fico pensando no que eu diria hoje se eu pudesse voltar no tempo e enviar uma mensagem para todas essas pessoas que, ao longo de minha vida, acreditaram estar me ajudando com as melhores de suas intenções.
Pensando um pouco, talvez eu dissesse com todo o cuidado do mundo, que nunca precisei de uma cadeira, nunca quis repousar, nunca quis me precaver de sentir dores em minhas pernas. Sempre preferi correr riscos. Não me importei em sentir dores em minhas pernas, de ficar em pé mais de uma hora. Valeu o preço de arrancar um sorriso do rosto da menina em um final de tarde, no bar do Noca, em Bernardino. Não desisti de andar a pé dois ou mais quilômetros e, entre um chope e outro, sentado com amigos nos bares à beira mar, roubar o olhar despretensioso de uma garota ou outra.
Nunca me arrependi de ter ficado mais de duas ou três horas bebendo Campari em pé no antigo Show Days Salloon do Shopping Eldorado, tentando chamar a atenção da garota que dançava sozinha à minha frente. Ela que, no final das contas, se tornaria minha esposa Marta.
Impossível esquecer com que naturalidade, ao subirmos a escada que nos levaria ao andar superior do bar, ela me perguntou, olhando para trás: “consegue subir?”.
Após minha resposta afirmativa, ela olhou para a sua frente e continuou a subir sem mais se preocupar comigo.
Ficamos mais de dez horas conversando e acho que nunca mais paramos de conversar um com o outro.
Mostafe Amed Jr é analista de sistemas do banco BNP Paribas Brasil, onde também atua como presidente do grupo de diversidade que trata de assuntos relacionados a pessoas com deficiências. Possui sequelas de poliomielite adquirida na infância, usa órteses nas duas pernas e se locomove utilizando duas bengalas canadenses.